Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3/07.5TTBRR.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE
CONTRATO A TERMO
RENOVAÇÃO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I - De acordo com o disposto no artigo 384.º do Código do Trabalho de 2003, o contrato pode cessar por caducidade, revogação, resolução e denúncia, modalidades de cessação cuja licitude é objecto de rigorosa disciplina plasmada em normas de carácter imperativo (artigo 383.º, n.º 1).
II - O contrato sujeito a termo resolutivo, celebrado para durar por determinado período, caduca no termo do prazo estipulado, desde que o empregador ou o trabalhador comunique, respectivamente, 15 ou 8 dias antes de o prazo expirar, a vontade de o fazer cessar, sendo que a falta de declaração das partes importa a renovação do contrato por igual período, considerando-se como único contrato aquele que seja objecto de renovação (artigos 388.º, n.º 1 e 140.º, n.ºs 2 e 5).
III - Por virtude da renovação, operada no momento em que expira o prazo para o empregador eficazmente comunicar a intenção de pôr fim ao contrato, a data do termo final do contrato, originariamente convencionada, é substituída pela que resulta da renovação, deixando esta de relevar para efeito de determinar a duração do contrato e, consequentemente, da licitude ou ilicitude da cessação e suas consequências, posto que a relação jurídica deve ser encarada como um único contrato, e não como sucessão de contratos, autónomos entre si.
IV - É no momento em que se tem por adquirida a vontade tacitamente manifestada de não pôr fim ao contrato – coincidente com o termo do prazo estabelecido na lei para a comunicação de sentido oposto – que, para todos os efeitos, se considera modificada a cláusula acessória de termo.
V - Nestes termos, um contrato celebrado para durar até 14 de Abril de 2006 renova-se, passando a ter como termo final o dia 14 de Abril de 2007, se nenhuma das partes – designadamente a entidade empregadora – comunica à outra, oportunamente, a vontade de o fazer cessar.
VI - Não pode, em tal perspectiva, defender-se que, no momento em que o trabalhador recebe a carta da entidade empregadora veiculando o seu desígnio de pôr fim ao contrato, ainda se encontrava em vigor um contrato cujo termo ocorreria em 14 de Abril de 2006, pois a cláusula de termo havia sido alterada, em 30 de Março de 2006 (15.º dia anterior ao dia 14 de Abril) e a carta só foi recebida pelo trabalhador em 4 de Abril de 2006.
VII - Nesta situação, o facto gerador da prorrogação da vigência do contrato por mais um ano – o silêncio da entidade empregadora, subsistente para além do prazo legal, quanto à intenção de pôr fim ao contrato – situou-se e produziu os seus efeitos em momento anterior à comunicação da vontade de o fazer cessar, pelo que esta comunicação, face ao momento em que foi efectuada, não podia ter a virtualidade de impedir a produção daqueles efeitos, mas tão só de determinar a extinção do contrato, entretanto, renovado.
VIII - A declaração de vontade de fazer cessar o contrato, reportando os seus efeitos à data do termo originariamente aposto, comunicada ao trabalhador após a modificação da cláusula acessória do termo, traduz-se, assim, numa forma de cessação do contrato sem cobertura legal, equivalendo a um despedimento ilícito.
IX - Tratando-se de contrato a termo, o valor mínimo da indemnização devida por despedimento ilícito – que não pressupõe a alegação e prova de quaisquer prejuízos – corresponde, grosso modo, ao montante dos “salários intercalares” que, no âmbito do despedimento ilícito em contrato sem termo, a lei estatui como compensação a adicionar à indemnização substitutiva da reintegração, esta calculada em função da antiguidade e do grau de ilicitude (artigos 437.º e 439.º), não se vislumbrando, por essa via, qualquer violação do princípio da proporcionalidade.
X - O carácter de unicidade do contrato que a lei faz decorrer da renovação, isto é, do prolongamento da sua vigência por via da alteração da cláusula acessória do termo resolutivo, determina que o cálculo da indemnização se reporte ao termo certo em vigor no momento do despedimento.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I

1. No Tribunal do Trabalho do Barreiro, AA intentou, em 4 de Janeiro de 2007, contra BB – Transportes Aéreos, S.A., acção com processo comum em que pediu que se declarasse a ilicitude do despedimento de que disse ter sido alvo e se condenasse a Ré: — (i) a pagar-lhe uma compensação não inferior ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até 15 de Abril de 2007 (termo da renovação do contrato com ela celebrado) ou até ao trânsito em julgado da decisão se o termo ocorrer posteriormente; — (ii) a reintegrá-lo, sem prejuízo dos seus direitos, caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão; — (iii) a pagar-lhe férias, subsídios de férias e de Natal que se vencerem até à data da decisão e a pagar-lhe a compensação no valor de € 23.596,42, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal; (iiii) a pagar-lhe a quantia de € 7.983,75 a título de férias, subsídios de férias e de Natal desde Janeiro a Dezembro de 2006, acrescida de juros de mora, à taxa legal, e as férias, subsídios de férias e de Natal que se vencerem até à decisão do Tribunal; (iv) a pagar-lhe a quantia total de € 12.786,25, acrescida de juros de mora, à taxa legal, valor respeitante a créditos laborais vencidos até 4 de Abril de 2006.

Alegou, em síntese, que foi contratado pela Air Luxor e que, por força da transmissão do estabelecimento para a Ré, passou a desempenhar funções para esta última, ao abrigo de contrato a termo, celebrado pelo período de 12 meses com início em 15 de Abril de 2005; que a Ré não lhe comunicou atempadamente a pretensão de não renovar o contrato, pelo que o mesmo se renovou automaticamente, configurando a conduta Ré um despedimento ilícito; e que a Ré não lhe pagou parte do vencimento de Março de 2006, os subsídios de férias e de Natal referentes ao ano 2005, trabalhos prestados e férias e subsídio de férias relativas ao ano de 2006.

Contestada, saneada e instruída a causa, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu:

a) declarar «ilícito o despedimento promovido pela Ré»;

b) condenar a Ré «no pagamento ao Autor da quantia de € 39.347,92 (trinta e nove mil trezentos e quarenta e sete euros e noventa e dois cêntimos) a título de indemnização, à qual acrescem juros de mora vencidos e vincendos desde a data de citação da Ré e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano»;

c) condenar a Ré «a pagar ao Autor a quantia total de € 3.840,00 (três mil oitocentos e quarenta euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano»;

d) condenar a Ré «a pagar ao Autor o montante total de € 19.381,42 (dezanove mil trezentos e oitenta e um euros e quarenta e dois cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano»;

e) condenar a Ré a pagar ao Autor o montante de € 1.161,25 (mil cento e sessenta e um euros e vinte cinco euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos, a contar desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano»;

f) absolver a Ré do demais peticionado pelo Autor.

2. Apelou a Ré, a pugnar pela total improcedência da acção, tendo requerido a modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

O Tribunal da Relação de Lisboa concluiu o acórdão, em que apreciou o recurso, com o dispositivo que se transcreve:

«Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré e em consequência:

A – Determina-se a alteração do ponto n.º 24 da matéria de facto que passa a ter a seguinte redacção.

“24 - Em 4 de Abril de 2006, a ré não tinha pago e não pagou depois ao autor:

- 4 dias de retribuição de Abril;

- a quantia de € 1.656,25, relativa ao mês de Março, que não foi transferida para a conta do autor;

- € 1.260,00 de ajudas de custo;

- Subsídio de férias, correspondente às férias gozadas em 2005, em relação ao montante de €1.656,25, que não foi transferido para a conta do autor;

- Subsídio de Natal, em relação ao montante de € 1.656,25, que não foi transferido para a conta do autor;

- férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006 e não gozadas e respectivo subsídio”.

B - Mais acorda-se em revogar a sentença recorrida no tocante à alínea c) da condenação que passa a ter o seguinte teor:

c) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia total de mil duzentos e sessenta Euros (€ 1.260,00), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de citação e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4% ao ano;

C – Acorda-se ainda em substituir a alínea f) da condenação e em aditar uma alínea g) que passam a ter a seguinte redacção:

“f) condenar a Ré no montante que se apurar em incidente de liquidação respeitante às verificações, sessões de cursos de terra (designadas por “Ground School”) e sessões de simulador realizadas pelo Autor e não pagas pela Ré.

Tal quantia será acrescida de juros de mora, à taxa legal, devidos desde a data do vencimento de cada um desses créditos até ao seu integral pagamento

g) absolver a Ré do demais peticionado pelo Autor”.

D - No mais acorda-se em manter a decisão recorrida.

[...]»

Mantendo-se inconformada, interpôs a Ré o presente recurso de revista, tendo, oportunamente, apresentado a respectiva alegação que rematou com as conclusões redigidas como segue:

«1. Constitui matéria de facto assente que a recorrente enviou ao seu trabalhador, aqui recorrido, a carta pela qual pretendia fazer operar a denúncia, e consequente caducidade, do seu contrato de trabalho, com 3 dias de atraso relativamente ao prazo legal (sendo que só remeteu numa 2.ª feira a carta que deveria ter enviado na 6.ª feira anterior).

2. É, igualmente, pacífico que em virtude de aquele prazo de 15 dias não ter sido cumprido, o contrato de trabalho não caducaria, antes se renovando por igual prazo, nos termos do convencionado entre as partes.

3. Não se pode, porém, admitir é que a comunicação extemporânea seja considerada como manifestação de intenção de despedimento sem justa causa, bem assim como não se pode admitir que, sendo despedimento, este não ocorra na data em que a carta foi recebida pelo trabalhador.

4. O único facto que é considerado pelo Tribunal “a quo” (bem assim como pela 1.ª Instância) como tendo por consequência a cessação do vínculo contratual consubstancia-se na carta da BB recebida pelo Autor, aqui recorrido, em 4 de Abril de 2006, datada de 31 de Março de 2006 e colocada no correio em 3 de Abril de 2006 (Facto 15.)

5. Assim, como da própria matéria de facto assente resulta, o (pretenso) facto ilícito ocorreu no dia 4 de Abril de 2006, data em que o trabalhador teria recebido uma carta que, sem fundamento, fazia cessar o seu contrato de trabalho no dia 14 de Abril de 2006.

6. Considerando que na data em que o trabalhador, aqui recorrido, recebeu a mencionada carta, ainda se encontrava em vigor o contrato de trabalho que havia celebrado em 15 de Maio de 2005 e que só teria o seu terminus em 14 de Abril de 2006 e considerando que o facto (pretensamente) ilícito é constituído pelo envio daquela carta, deverá entender-se que o despedimento ocorre na data da recepção da mesma.

7. Não é legítimo defender-se que o contrato extinto – ainda que por despedimento declarado ilícito – possa renovar-se.

8. Não pode pretender-se (sob pena de frontal violação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado) que um trabalhador possa ser despedido sem justa causa a treze dias do terminus do seu contrato a termo certo, recebendo a indemnização correspondente, mas que no caso de um trabalhador (o recorrido) que apenas recebe uma carta adequada a operar a caducidade do seu contrato, enviada porém sem antecedência legal, venha a ver renovado o seu contrato e, simultaneamente a sua cessação por despedimento, com consequência extraordinariamente mais gravosas do que aquelas que emergiriam de um despedimento sem causa justificativa e, eventualmente, sem processo disciplinar;

9. O mero envio de uma carta de denúncia do contrato de trabalho sem obediência do prazo legalmente estipulado (antecedência mínima, de 15 dias) tem por efeito, exclusivo, a ineficácia da comunicação e a consequente renovação do contrato, não tendo, necessariamente, de configurar uma manifestação de intenção de despedimento.

10. Não é legítimo que o trabalhador (o recorrido) que recebeu a carta de denúncia remetida fora do prazo legal possa argumentar que, ipso facto, está a ser objecto de despedimento sem justa causa, pois o que a entidade patronal manifestou foi, apenas, a sua intenção de não renovação do contrato

11. Considerando que a recorrente remeteu ao trabalhador carta nos termos do art.º 388.º do C.T., embora sem cumprir o prazo ali estipulado, teremos de concluir, apenas, que o contrato se renovou por igual período (art.º 140.º, n.º 2 C.T.), pelo que só se extinguiria no dia 14 de Junho de 2007, mantendo-se, entretanto, em vigor todos os direitos e obrigações das partes contratantes.

12. Inexiste, de entre o acervo de matéria de facto provada, qualquer factualidade que permita afirmar que a BB, em face da necessária renovação (ope legis) do contrato de trabalho do aqui recorrido, tenha pretendido promover o seu despedimento.

13. O facto de a BB ter informado o destinatário da mencionada carta (o aqui recorrido) que estaria ao seu dispor o certificado de trabalho e o impresso para o subsídio de desemprego, não pode ser interpretado como vontade da BB despedir o trabalhador, pois aquela parte da comunicação da BB foi efectuada em obediência às normas legais e era obrigatória em qualquer circunstância de cessação do contrato (fosse qual fosse o respectivo fundamento), e foi produzida no contexto (pela recorrente pretendido) de comunicação da intenção de não renovação do contrato de trabalho.

14. Constitui conclusão abusiva e infundada aquela de que a BB levou a cabo o despedimento sem justa causa do trabalhador aqui em apreço.

15. Caso, porém, assim não se entenda, então ter-se-á de concluir que o conhecimento (e efeitos) do despedimento teria ocorrido com o recebimento da carta pelo qual o mesmo foi (pretensamente) comunicado ao recorrido.

16. Caso se entenda ter existido despedimento – por força da carta de denúncia remetida com violação da antecedência legal – o mesmo (despedimento) terá impedido que o contrato se renovasse.

17. A consequência estabelecida pelo Venerando Tribunal “a quo” para o pretenso despedimento ilícito do recorrido é absolutamente desproporcionada e, consequentemente, violadora da Lei e do princípio constitucional da proporcionalidade, quer relativamente a outros trabalhadores a termo que sejam despedidos sem justa causa (sem fundamento legal), quer relativamente a trabalhadores com contrato por tempo indeterminado que sejam, igualmente, despedidos ilicitamente.

18. O facto de a recorrente se ter atrasado 3 dias (correspondente ao fim de semana) no envio da comunicação escrita (que secundou comunicação pessoal, presencial e verbal) ao recorrido, não lhe provocou qualquer prejuízo real (aliás este não alegou ter sofrido semelhante prejuízo), sendo que, na perspectiva dos efeitos jurídicos (resultantes do douto acórdão recorrido), impõe à BB o pagamento ao recorrido (com antiguidade de um ano) de montante correspondente a 15 meses de retribuição, o que é evidentemente assaz desproporcionado.

19. Tal consequência, no que respeita ao respectivo montante, corresponderia, para um caso de ilicitude de despedimento de um trabalhador com contrato sem termo, a uma situação de 15 anos de antiguidade, sendo que à data da remessa da carta sub judice, o Autor tinha antiguidade de apenas um ano.

20. Estipulando o n.º 2 do art.º 440.º do Código do Trabalho que “sendo o despedimento considerado ilícito, o empregador é condenado: a) No pagamento da indemnização pelos prejuízos causados (...)”, teremos de concluir que caberia ao trabalhador (aqui recorrido) alegar e provar os prejuízos sofridos.

21. Não o tendo feito, não poderá o recorrido beneficiar da previsão (deontológica) da 2.ª parte da referida alínea a) do n.º 2 do art.º 440.º do Código do Trabalho.

22. Não se poderá tomar como referência para efeitos da integração da 2.ª parte daquela alínea a) do n.º 2 do art.º 440.º, o termo certo seguinte àquele para o qual a entidade patronal (ora recorrente) pretendeu fazer cessar o contrato, mas que o fez de forma extemporânea.

23. O facto de ter sido incumprido (formalmente) o prazo de 15 dias previsto no art.º 388.º do C.T., deverá ter por consequência a indemnização dos prejuízos sofridos pelo trabalhador, sendo que para a determinação da 2.ª parte da referida alínea a) do art.º 440.º do C.T., deverá considerar-se que a indemnização, in casu, não poderia ser inferior a 13 dias de remuneração (para além do direito à remuneração propriamente dita).

24. Não pode ocorrer que por mero incumprimento de um dia (ou dois ou três) de calendário, a entidade patronal fique obrigada a pagar um ano inteiro de retribuições, sem que o trabalhador esboce o mínimo gesto de pretender continuar a prestar o seu trabalho.

25. A fixação da indemnização devida ao trabalhador, nos termos do art.º 440.º do C.T., deverá ter sempre por referência “os prejuízos causados”, pelo que não tendo o recorrido alegado ter sofrido prejuízos, não os tendo elencado e/ou valorado, o Tribunal está impedido de se lhe substituir.

26. Mesmo que se entenda (sem conceder) que, ainda que sem impulso processual por parte do trabalhador, o Tribunal deverá fixar a indemnização por forma a garantir que esta não será “inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato (...)”, então o termo do contrato a tomar em consideração será aquele para o qual, embora de forma extemporânea, a entidade patronal pretende que a cessação produzisse efeitos: in casu 14 de Abril de 2006.

27. A data do despedimento não pode deixar de ser a data em que o Autor recebeu a carta que, de forma extemporânea, lhe comunicou a vontade de não renovar o contrato, e portanto, para apuramento da indemnização (correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo) deverá considerar-se como “termo certo” do contrato, aquele que se seguiu à data da recepção da carta, portanto o dia 14 de Abril de 2006.

28. O Tribunal tem de optar entre uma interpretação em que considera o despedimento ilícito (em virtude da carta ser extemporânea), com efeitos à data da recepção da carta e, portanto, concluindo que não se verifica a renovação do contrato, e uma outra interpretação segundo a qual se verifica renovação (em virtude da carta não ter sido remetida oportunamente) e, então, não há despedimento.

29. Se se entende ter ocorrido despedimento (que até é qualificado de ilícito), com a consequente cessação do contrato, não pode operar-se a renovação de um contrato já extinto.

30. A ter-se dado a renovação do contrato por ineficácia da declaração de denúncia (o que só pode suceder se se entender que inexistiu despedimento), a mesma só ocorreria no dia 15 de Abril.

31. Assim, mesmo que os efeitos do alegado despedimento ilícito se reportassem (como parece pretender – s.m.o., sem razão – o Venerando Tribunal “a quo”) a 14 de Abril, ainda deverão ter-se por reportados ao vínculo contratual que terminava nesse mesmo dia.

32. Quanto aos efeitos do referido (pretenso) despedimento ilícito, de acordo com a defendida interpretação do art.º 440.º, n.º 2, alínea a), o trabalhador recorrido deveria receber indemnização pelos prejuízos que lhe tivessem sido causados pelo despedimento, não podendo ser inferior a 12 dias de retribuição, quantia à qual deveria acrescer (para além das retribuições, subsídios e proporcionais) a compensação correspondente a 24 dias de trabalho, estipulada no art.º 388.º, n.º 2 do Código do Trabalho.

33. A interpretação desta norma jurídica do art.º 388.º do C.T. (aliás, de todas) deverá ser efectuada em termos idênticos caso o incumprimento da antecedência legal seja levado a cabo pelo trabalhador ou pelo empregador, sendo, obviamente, de afastar a interpretação segundo a qual o incumprimento da antecedência legal para o envio da comunicação de denúncia do contrato por parte do trabalhador pudesse ter por consequência a obrigação de indemnizar o empregador em montante correspondente a todas as retribuições que deveria receber até final do renovado termo do contrato de trabalho;

34. De acordo com a decisão, aliás douta, proferida pelo Venerando Tribunal “a quo”, o apuramento de indemnização, para um caso de antiguidade de um ano (com base em contrato de trabalho a termo certo) é semelhante á que seria atribuída num caso (v.g. de despedimento colectivo) de trabalhador com antiguidade de quinze anos (com referência a contrato de trabalho efectivo, ou por tempo indeterminado), constitui tratamento desproporcionado, frontalmente [sic] do princípio da proporcionalidade consignado na Constituição da República Portuguesa.

35. E a interpretação segundo a qual o envio de carta de denúncia do contrato de trabalho, com violação da antecedência legalmente estipulada tenha por efeito e significado, para além da ineficácia da denúncia, uma declaração de despedimento ilícito, é materialmente inconstitucional por violação clara do princípio da legalidade, igualmente consagrado na Constituição da República Portuguesa.

36. Ao decidir como decidido, o Venerando Tribunal “a quo”, salvo o devido respeito, efectuou errada interpretação e aplicação das normas dos art.ºs 249.º, 388.º e 440.º do Código do Trabalho, do art.º 342.º do Código Civil, e dos art.ºs 3.º, 12.º, 18.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa normativos que, entre outros do Mui Douto suprimento desse Supremo Tribunal, foram pelo Tribunal “a quo” violadas no douto Acórdão sub judice.»

Finalizou, pedindo que, no provimento do recurso, fosse revogada a decisão recorrida e substituída por outra que «efectue devida interpretação e aplicação do Direito aos factos e, consequentemente, considere a acção improcedente, por não provada, absolvendo integralmente a Recorrente das quantias em que foi condenada».

O Autor apresentou a sua alegação de recorrido, na qual, para além de suscitar a questão da extemporaneidade do requerimento de interposição da revista, propugnou a confirmação do julgado.

Por acórdão lavrado a fls. 455 e segs., foi decidido, julgar tempestiva a interposição do recurso e, consequentemente, admitir a revista.

A Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer a que as partes não responderam, no sentido de ser negada a revista.

3. Perante o teor das conclusões da revista, as questões a resolver são as de:

葉abSaber se a comunicação da vontade de pôr fim ao contrato de trabalho a termo, efectuada depois de expirado o prazo legalmente estabelecido para o efeito, configura um despedimento ilícito;
葉abSaber, em caso de resposta afirmativa à anterior questão, se o Autor tem direito a ser indemnizado e como deve ser fixada a eventual indemnização.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. Os factos materiais da causa foram pelo tribunal recorrido fixados nos seguintes termos:

«1 - O autor foi admitido ao serviço da ré, em 15/4/2005, para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer as funções de “Flight Engineer” da aeronave Lockheed 1011, mediante retribuição e pelo período de doze meses, renovável por igual período, caso o contrato não fosse denunciado.

2 - Para o efeito, as partes celebraram o acordo escrito que faz fls. 9 a 16 dos autos, e que designaram por “contrato de trabalho a termo certo”.

3 - A ré é uma empresa que, inicialmente, se dedicava à representação de companhias de aviação, nacionais e estrangeiras, e bem assim, à representação e exploração de serviços comerciais e outros relacionados com a actividade principal das suas representadas.

4 - A partir de Janeiro de 2005, a ré passou a ter por actividade o transporte aéreo não regular doméstico, territorial e internacional e bem assim como actividades acessórias à manutenção de aeronaves, compra e venda de aeronaves e respectivas peças e acessórios, importação e exportação de componentes de aeronaves, gestão e operação de aeronaves de terceiros, assistência técnica, operacional e aeroportuária a aeronaves e respectivos passageiros, carga e correio, representação de outras companhias de aviação.

5 - O autor, em 1 de Setembro de 2003, celebrou com a Air Luxor, S.A., um acordo escrito, que faz fls. 25 a 31 dos autos, que as partes designaram por “contrato de trabalho a termo”.

6 - No âmbito desse acordo, o autor obrigou-se a exercer as funções de “Flight Engineer” da aeronave Lockheed 1011, sob a direcção, orientação e fiscalização da Air Luxor, S.A., mediante retribuição.

7 - Convencionaram as partes, na cláusula 2.ª do acordo, que o autor receberia mensalmente a remuneração ilíquida de € 1.500,00.

8 - Para além desta quantia, era pago ao autor mensalmente, o valor de € 1.656,25, durante 14 meses, por transferência bancária.

9 - No final de 2004, início de 2005, os aviões Lockheed pertença da Air Luxor, S.A., foram vendidos à ré.

10 - O autor foi confrontado pela Air Luxor, S.A., com a situação de ter de rescindir o seu contrato e, querendo continuar a trabalhar, teria que contratar com a BB, agora proprietária dos aviões Lockheed, caso contrário, ficava sem trabalho.

11 - O autor rescindiu o contrato com a Air Luxor e celebrou o acordo escrito mencionado nos pontos 1 e 2, supra.

12 - O autor ficou a trabalhar nos mesmos aviões, continuou a usar as fardas que eram da Air Luxor, tendo mudado a gravata só ao final de algum tempo, continuou a apresentar-se na mesma porta de embarque do aeroporto, continuou a usar os mesmos manuais do tempo da Air Luxor e os superiores hierárquicos, inicialmente ficaram os mesmos.

13 - A Air Luxor não procedeu ao pagamento dos créditos laborais que se venceram com a cessação do contrato de trabalho.

14 - A BB pagava a remuneração ao autor nos mesmos termos em que o tinha feito a Air Luxor (€ 1.500,00 de remuneração ilíquida + € 1.656,25, por transferência bancária).

15 - Em 4 de Abril de 2006, o autor recebeu uma carta da ré, datada de 31 de Março de 2006 e colocada no correio em 3 de Abril de 2006, em que era comunicada ao autor a caducidade do contrato de trabalho, que terminava em 14 de Abril de 2006.

16 - A ré não pagou ao autor quaisquer créditos vencidos à data da invocada caducidade do contrato.

17 - Além das funções de Técnico de Voo, o autor efectuou por conta da ré, várias verificações técnicas aos outros técnicos de voo, sessões de simulador de instrução e ministrou cursos em terra.

18 - O simulador de instrução e as verificações eram pagos a 150 euros, cada.

19 - Os cursos em terra (Ground School) eram pagos a € 20,00 por hora, tendo cada sessão 3 ou 4 horas.

20 - O autor auferia ainda ajudas de custo para deslocações, com o valor base diário de € 60,00.

21 - Em data não apurada, mas após 15 de Abril de 2005, avariaram os dois aviões adquiridos pela ré à Air Luxor.

22 - Cerca de três meses, após as avarias, um dos aviões ficou operacional e passou a voar, enquanto o outro continuou inoperacional.

23 - O Dr. CC, Presidente do Conselho de Administração, em data não apurada, convocou uma reunião com todos os tripulantes, incluindo o autor, na qual lhes comunicou que, devido a dificuldades da companhia, provavelmente, a ré teria de reduzir o número de tripulantes, sem ter identificado pessoas concretas.

24 - Em 4 de Abril de 2006, a ré não tinha pago e não pagou depois ao autor:

- 4 dias de retribuição de Abril;

- a quantia de € 1.656,25, relativa ao mês de Março, que não foi transferida para a conta do autor;

- 5 verificações efectuadas pelo autor, que não foram pagas;

- € 1.260,00 de ajudas de custo;

- Subsídio de férias, correspondente às férias gozadas em 2005, em relação ao montante de € 1.656,25, que não foi transferido para a conta do autor;

- Subsídio de Natal, em relação ao montante de € 1.656,25, que não foi transferido para a conta do autor;

- férias vencidas em 1 de Janeiro de 2006 e não gozadas e respectivo subsídio.»

Este quadro factual não vem impugnado e não se vislumbra fundamento legal para censurar a decisão que o fixou.

2. Da cessação do contrato e sua qualificação como despedimento:

2. 1. Considerou a sentença da 1.ª instância que, tendo-se provado que a Ré não respeitou a exigência consignada no artigo 388.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003 — diploma a que pertencem todas as disposições que vierem a ser indicadas sem menção de origem —, de comunicar ao Autor, com a antecedência de 15 dias relativamente à data do termo final aposto no contrato, a vontade de o fazer cessar, o contrato renovou-se por igual período, e a intenção de fazer cessar o contrato comunicada fora do prazo de 15 dias constitui um despedimento ilícito.

No recurso de apelação, a Ré sustentou que cumprira o prazo previsto naquele preceito, alegando que, antes do envio da carta a que se refere o ponto n.º 15 da matéria de facto provada, na reunião a que se reporta o ponto n.º 23 — cujo teor impugnou para que dele ficasse a constar a alegada anterioridade da intenção declarada pela Ré de reduzir o número de tripulantes — foi comunicado verbal e presencialmente ao Autor o que se iria passar relativamente à sua situação jurídico-laboral, secundando tal comunicação com o envio da carta, em cumprimento de formalidade legal, pelo que a utilização do argumento meramente formal, por parte do Autor, constitui uso abusivo do direito consequenciando a improcedência da acção relativamente ao pedido de declaração de ilicitude do despedimento.

Alegou, por outro lado, que a consequência pretendida pelo Autor (e sufragada pelo Tribunal “a quo”) para este pretenso despedimento ilícito é absolutamente desproporcionada e, consequentemente, violadora da Lei e do princípio constitucional da proporcionalidade.

2. 2. O Tribunal da Relação, tendo recusado a apreciação do pedido de alteração do ponto n.º 23 da matéria de facto — por não se mostrarem preenchidos os requisitos dessa apreciação — enfrentou a argumentação da, então, apelante, discorrendo como segue:

«O artigo 334.º do Código Civil preceitua que:

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Nas palavras de Antunes Varela “para que o exercício do direito seja abusivo, é preciso que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar.

É preciso, como acentuava M. Andrade que o direito seja exercido «em termos clamorosamente ofensivos da justiça»”. [*]

É, pois, necessária a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o seu direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito.

E não é sequer necessária a consciência, por parte do agente, de se excederem com o exercício do direito os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social desse direito; basta que objectivamente se excedam tais limites.[*]

A boa fé como princípio significa essencialmente que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.

Uma das hipóteses da concretização desta cláusula geral é a da proibição de “venire contra factum proprium”, impedindo-se uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente; aquilo... com que se veta o exercício de um direito subjectivo ou duma pretensão, quando o seu titular, por os não ter exercido durante muito tempo, criou na contraparte uma fundada expectativa de que já não seriam exercidos (revelando-se, portanto, um posterior exercício manifestamente desleal e intolerável).[*]

O abuso do direito tem as consequências de um acto ilegítimo podendo dar lugar à obrigação de indemnizar, à nulidade, à legitimidade de posição; ao alongamento do prazo de prescrição ou de caducidade”. [*]

Nas palavras de A. Varela “os efeitos do exercício irregular do direito serão os correspondentes à forma de actuação do titular”.[*]

Retornando ao caso concreto, examinados os autos constata-se que o sucesso da supra citada arguição sempre estaria dependente da sorte do recurso no tocante ao ponto n.º 23 da matéria de facto.

Ora é sabido que não obteve provimento, sendo que ali (23) se apurou que o Dr. CC, Presidente do Conselho de Administração, em data não apurada, convocou uma reunião com todos os tripulantes, incluindo o autor, na qual lhes comunicou que, devido a dificuldades da companhia, provavelmente, a ré teria de reduzir o número de tripulantes, sem ter identificado pessoas concretas (e não que nessa reunião o Director de Operações de Voo da BB transmitiu ao Autor que iria receber uma carta de denúncia do contrato).

Como tal neste particular o recurso também não logra procedência, não se extraindo da matéria apurada, nomeadamente em 15 e 23, que o Autor litigue em claro e manifesto abuso de direito.

Seja como for, independentemente da prova da data da reunião e do que aí foi transmitido ao Autor, sempre haveria que considerar que nos termos do n.º 1, do artigo 388.º do CT a comunicação se deve revestir de forma escrita, sob pena de não ser válida.

A comunicação em causa consubstancia, pois, uma formalidade “ad substantiam”.

Como tal é nula se não for observada a forma legal (artigo 220.º do CC), sendo por outro lado, insusceptível de ser substituída por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior (vide artigo 364, n.º 1, do CC).[*]

Desta forma, afigura-se que mesmo que o recurso na vertente respeitante ao ponto nº 23 da matéria de facto tivesse logrado provimento (e não obteve) ainda assim neste particular sempre teria de improceder.»

Prosseguindo, observou o acórdão recorrido:

«A terceira questão a dilucidar consiste em saber quais as consequências a retirar do incumprimento do prazo fixado no n.º 1 do artigo 388.º do CT, nomeadamente se é admissível que o atraso em questão provoque, em simultâneo, por um lado a renovação do contrato e por outro um despedimento ilícito tal como decidiu a sentença recorrida.

A recorrente entende que a recepção tardia da carta referida em 15) consubstancia um argumento de ordem formal.

E também sustenta que não se pode em simultâneo considerar que o contrato se renovou e que se procedeu ao despedimento do Autor como se fez na sentença recorrida, sendo que, a seu ver, só por ficção se pode considerar que a comunicação para a denúncia num ano pode ter efeitos no ano seguinte.

Por outro lado, entende que a haver despedimento não se verificou renovação.

No caso concreto, temos por assente que a carta remetida ao Autor referida em 15, não cumpriu a antecedência legalmente estipulada (in casu 15 dias), o que, aliás, a recorrente até admite (vide fls. 235).

De facto, nos termos do n.º 1 do artigo 388.º do CT (caducidade do contrato a termo certo) o contrato caduca no termo do prazo estipulado desde que o empregador ou o trabalhador comunique, respectivamente, 15 ou 8 dias antes de o prazo expirar, por forma escrita, a vontade de o fazer cessar, sendo certo, aliás, que a própria cl.ª 2.ª do contrato referido em 5) o menciona (vide fls. 13).

E não procede o argumento de que a recepção tardia da carta constitui argumento de ordem formal, visto que o respectivo envio consubstancia uma formalidade “ad substantiam”.

Assim, uma vez que a declaração receptícia de caducidade não teve lugar com respeito do prazo previsto na lei, o contrato tem que se considerar renovado por igual período tal como resulta do disposto no n.º 2 do artigo 140.º do CT (segundo o qual o contrato renova-se no final do termo estipulado, por igual período, na falta de declaração das partes em contrário).

Ora é isso que acontece se for remetida tardiamente a comunicação referida no n.º 1 do artigo 388.º do CT como sucedeu no caso em apreço (ou se a mesma não chegar a ser remetida).

Renovando-se o contrato nestes moldes, cumpre assim considerar que a missiva referida em 15 (vide fls. 32) consubstancia um despedimento ilícito, visto que decorre da mesma que a BB colocou um ponto final na relação laboral existente entre os litigantes a partir de 14 de Abril de 2006.

Na carta até se refere “da mesma forma a empresa passará o certificado de trabalho e a declaração em impresso próprio para acompanhar o requerimento que, eventualmente, venha a apresentar para a atribuição do subsídio de desemprego”.

E o artigo 440.º do CT (regras especiais relativas ao contrato a termo) estatui:

1 – Ao contrato de trabalho a termo aplicam-se as regras gerais de cessação do contrato, com as alterações constantes do número seguinte.
2 – Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) No pagamento da indemnização pelos prejuízos causados, não devendo o trabalhador receber uma compensação inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal se aquele termo ocorrer posteriormente;
b) Na reintegração do trabalhador, sem prejuízo da sua categoria, caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão do tribunal.

Argumentar-se-á, como faz a recorrente, que o facto da carta ter sido remetida com atraso relativamente aos 15 dias previstos na lei pode não ter efeito relativamente à data para a qual se pretendia a denúncia, mas caso se entenda que a comunicação não é válida nessa data, ainda assim sempre funcionará como manifestação de vontade para o termo seguinte.

Contudo este argumento não procede.

O contrato referido em 1, 2 e 11 celebrado, em 15 de Abril de 2005, pelo período de doze meses, com início na referida data e renovável por igual período caso não fosse denunciado (vide cl.ª 6.ª) terminava em 14 de Abril de 2006.

Uma vez que se renovou por doze meses, passou a ter o seu termo previsto para Abril de 2007.

Ora a Ré na carta tardia referida em 15, referiu-se ao seu termo não com efeitos reportados a 3 de Abril de 2006, mas a 14 de Abril desse ano.

Desta forma, uma vez que durante a sua vigência o contrato se deve considerar renovado por comunicação tardia, a declaração de cessação referida em 5), equivale (consubstancia) a um despedimento ilícito com as inerentes consequências (aludidas na sentença proferida em primeira instância); nomeadamente não devendo o trabalhador receber uma compensação inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal se aquele termo ocorrer posterior[mente].

Aliás, em termos práticos o montante a pagar a tal título não é igual ao que seria caso se considerasse que o contrato se renovou por igual período, funcionando, desde logo, a denúncia (em relação à qual até é de admitir que possa ter uma antecedência superior a 15 dias) para o ano seguinte.

Nesse caso o trabalhador não só teria que receber os salários respeitantes ao período de execução do contrato, visto que não lhe podia ser assacada a sua falta de execução (que como é evidente era imputável à Ré) como também devia receber a compensação atinente à cessação do contrato por caducidade.

Como tal afigura-se que nada há a censurar a sentença recorrida neste particular.»

Nas conclusões do recurso de revista, a Ré já não alude ao exercício abusivo do direito, por parte do Autor, matéria que, na óptica deste Supremo, foi correctamente apreciada pelo Tribunal da Relação, cujo juízo merece, pelos fundamentos expostos no acórdão recorrido, ser sufragado.

A discordância da Ré revela-se na afirmação de que, por um lado, a comunicação extemporânea não pode ser considerada como manifestação de intenção de despedimento e, por outro lado, a tratar-se de despedimento não pode deixar de ser reportado à data em que a carta foi recebida pelo trabalhador.

2. 3. O Código do Trabalho regula, nos artigos 382.º e seguintes, a cessação do contrato, matéria que disciplina em função do princípio da segurança no emprego, consignado no artigo 54.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual «[é] garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos ideológicos».

De acordo com o artigo 384.º, o contrato pode cessar por caducidade, revogação, resolução e denúncia, modalidades de cessação cuja licitude é objecto de rigorosa disciplina plasmada em normas de carácter imperativo (artigo 383.º, n.º 1).

O contrato sujeito a termo resolutivo, celebrado para durar por determinado período, «caduca no termo do prazo estipulado, desde que o empregador ou o trabalhador comunique, respectivamente, 15 ou 8 dias antes de o prazo expirar, a vontade de o fazer cessar» (artigo 388.º, n.º 1).

Há que ter em atenção que um tal contrato «renova-se no final do termo estipulado, por igual período, na falta de declaração das partes em sentido contrário» (artigo 140.º, n.º 2), considerando-se «como único contrato aquele que seja objecto de renovação» (artigo 140.º, n.º 5).

Decorre deste regime que, em virtude da renovação, operada no momento em que expira o prazo para o empregador eficazmente comunicar a intenção de pôr fim ao contrato, a data do termo final do contrato, originariamente convencionada, é substituída pela que resulta da renovação, deixando esta de relevar para efeito de determinar a duração do contrato e, consequentemente, da licitude ou ilicitude da cessação e suas consequências, posto que a relação jurídica deve ser encarada como um único contrato, e não como sucessão de contratos, autónomos entre si. É que, em caso de renovação tácita, tudo se passa como se as partes tivessem manifestado a vontade de prolongar a vigência do contrato por período igual ao que fora inicialmente estipulado, assim alterando a cláusula acessória de termo resolutivo, o que não pode ter-se como celebração de novo contrato.

Deste modo, é no momento em que se tem por adquirida a vontade tacitamente manifestada de não pôr fim ao contrato — coincidente com o termo do prazo estabelecido na lei para a comunicação de sentido oposto — que, para todos os efeitos, se considera modificada a cláusula acessória.

No caso presente, o contrato celebrado para durar até 14 de Abril de 2006 renovou-se, passando a ter como termo final o dia 14 de Abril de 2007, porque nenhuma das partes — designadamente a Ré — comunicou, oportunamente, à outra a vontade de o fazer cessar.

Não pode, em tal perspectiva, acolher-se a alegação da Ré, segundo a qual, no momento em que o Autor recebeu a carta veiculando o desígnio daquela de pôr fim ao contrato, ainda se encontrava em vigor um contrato que teria o seu termo em 14 de Abril de 2006, pois a cláusula de termo havia sido alterada, em 30 de Março de 2006 (15.º dia anterior ao dia 14 de Abril) e a carta só foi recebida pelo Autor em 4 de Abril de 2006.

E não pode falar-se, como pretende a recorrente, nem de simultaneidade da renovação com a extinção do contrato, nem de extinção do contrato antes da renovação.

Na verdade, o facto gerador da prorrogação da vigência do contrato por mais um ano — o silêncio da Ré, subsistente para além do prazo legal, quanto à intenção de pôr ao fim contrato — situou-se e produziu os seus efeitos em momento anterior à comunicação da vontade de o fazer cessar, pelo que esta comunicação, face ao momento em que foi efectuada não podia ter virtualidade para impedir a produção daqueles efeitos, mas tão só para determinar a extinção do contrato, entretanto, renovado.

Nesta conformidade, a declaração de vontade de fazer cessar o contrato, reportando os seus efeitos à data do termo originariamente aposto, comunicada ao trabalhador após a modificação da cláusula acessória de termo, traduz uma forma de extinção do contrato cuja licitude e efeitos devem ser perspectivados em função do carácter de unicidade do mesmo, valendo, para tanto, a data do termo final emergente da renovação e não a data inicialmente estipulada, tornada inoperante pela renovação.

A situação configura, por conseguinte, a cessação do contrato por iniciativa do empregador, sem cobertura da disciplina legal, por isso que equivale a um despedimento ilícito, como concluíram as instâncias, tecendo pertinentes considerações que, no essencial, se subscrevem.

3. Do direito à indemnização e seu modo de cálculo:

3. 1. A sentença da 1.ª instância considerou, em face do regime especial consignado no artigo 440.º do Código do Trabalho – segundo o qual, sendo o despedimento declarado ilícito o empregador é condenado no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados, não devendo o trabalhador receber uma compensação inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal se aquele termo ocorrer posteriormente e na reintegração caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão – ter o Autor direito a receber o valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até 14 de Abril de 2007, data do termo emergente da renovação do contrato.

No recurso de apelação, a Ré sustentou que ao Autor não assistia o direito a qualquer indemnização, por não ter alegado prejuízos, e que, a entender-se diferentemente, a indemnização haveria de ter, nos termos do n.º 2 do artigo 440.º, por referência a data em que o Autor recebeu a carta da comunicação do despedimento e a data do termo certo fixado originariamente no contrato, acrescendo ao valor da indemnização a compensação correspondente a 24 dias de trabalho, estipulada no artigo 388.º, n.º 2.

E imputou à sentença a violação do princípio da proporcionalidade, consignado na Constituição da República Portuguesa.

O Tribunal da Relação, também neste particular, confirmou a decisão da 1.ª instância, observando:

«A recorrente entende que o atraso em apreço [de 3 dias na remessa da carta] não provocou ao Autor qualquer prejuízo real que justifique que o mesmo que tinha cerca de um ano de antiguidade tenha direito a receber uma indemnização que corresponde a 15 anos de antiguidade de um contratado sem termo.

Entende, pois, que a consequência do despedimento em causa é violadora do supra citado princípio da proporcionalidade.

Todavia não é assim, sendo certo que nada há a acrescentar, em relação ao que anteriormente se consignou, quanto aos motivos da apreciação que se irá efectuar da presente questão (abuso de direito) que, igualmente, não foi alvo de apreciação em 1.ª instância.

Cumpre, pois, fazê-la.

E atento o disposto no artigo 440.º do CT afigura-se que neste ponto, bem andou a decisão recorrida.

É certo que no seu n.º 1 o aludido preceito refere que a indemnização é calculada nos termos gerais remetendo, pois, para o disposto no artigo 437.º do CT (efeitos da ilicitude) o qual no seu n.º 1 estatui que sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:

a) A indemnizar o trabalhador por todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados;

b) A reintegrá-lo no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.

Porém, o n.º 2 do artigo 440.º do CT estabelece como mínimo uma compensação não inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal se aquele termo ocorrer posteriormente.

Tal significa que o trabalhador pode alegar e provar prejuízos superiores quer patrimoniais quer não patrimoniais, o que contudo não sucedeu no caso concreto.

O que não pode é receber uma compensação inferior àquele valor.

Argumentar-se[-se-á] como faz a recorrente que se trata de uma compensação desproporcional ao tempo de serviço prestado, tomando nomeadamente como termo de comparação os trabalhadores por tempo indeterminado para os quais regem os artigos 436.º a 439.º do CT.

Mas não é assim.

Desde logo, porque neste último caso além da indemnização legal (devida em substituição da reintegração) também são devidos os denominados salários intercalares.

Ora a indemnização devida pela cessação por despedimento ilícito de contrato a termo certo corresponde – em termos mínimos – ao valor dos salários intercalares devidos ao trabalhador desde a data do despedimento até ao termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, consoante o que ocorra primeiro.

Não se vislumbra, assim, que se verifique qualquer violação do princípio da proporcionalidade plasmado nos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, 19.º, n.º 4, 27.º, n.º 3 g) e 266.º, n.º 2 da CRP.»

3. 2. Os argumentos utilizados pela Ré, no recurso de revista, são, no essencial, idênticos aos que apresentara no recurso de apelação.

Ora, no tocante à pretensa violação do princípio da proporcionalidade, as considerações tecidas pelo Tribunal da Relação respondem cabalmente à argumentação da recorrente, sendo de sublinhar que, tratando-se de contrato a termo, o valor mínimo da indemnização devida por despedimento ilícito — que não pressupõe a alegação e prova de quaisquer prejuízos — corresponde, grosso modo, ao montante dos «salários intercalares» que, no âmbito do despedimento ilícito em contrato sem termo, a lei estatui como compensação a adicionar à indemnização substitutiva da reintegração, esta calculada em função da antiguidade e do grau de ilicitude (artigos 437.º e 439.º), do que decorre não fazer qualquer sentido cotejar as duas situações à luz do princípio da proporcionalidade.

Quanto à data do termo do contrato a ter por referência para o cálculo da indemnização, o carácter de unicidade do contrato que a lei faz decorrer da renovação, isto é, do prolongamento da sua vigência por via da alteração da cláusula acessória de termo resolutivo, determina que o cálculo se reporte ao termo certo em vigor no momento do despedimento e esse, no caso, era, desde 30 de Março de 2006, o dia 14 de Abril de 2007, e já não 14 de Abril de 2006, como acima se deixou referido.

Não há, por outro lado, que estabelecer comparação entre os efeitos indemnizatórios da cessação ilícita do contrato por iniciativa do empregador e aqueles que resultam da cessação ilícita por iniciativa do trabalhador, uma vez que a lei os disciplina de forma totalmente distinta.

Com efeito, o trabalhador pode, a todo o tempo e sem necessidade de invocar causa justificativa, denunciar o contrato de trabalho a termo, desde que avise o empregador com a antecedência mínima de 30 dias, se o contrato tiver duração igual ou superior a seis meses (artigo 447.º, n.os 1 e 3); se o trabalhador não cumprir, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio, fica obrigado a pagar ao empregador um indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período de antecedência em falta, sem prejuízo da responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados (artigo 448.º).

Assim, o conteúdo do direito à indemnização que a lei confere ao empregador não tem qualquer relação com os salários referentes ao período de tempo entre a cessação do contrato e o termo estipulado, diversamente do que sucede em caso de despedimento.

Finalmente, não se vislumbra — e a recorrente não aduz para tanto quaisquer argumentos — em que medida a interpretação segundo a qual o envio da carta configura um despedimento ilícito «é materialmente inconstitucional por violação clara do princípio da legalidade».


III

Em face do exposto, nega-se a revista.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 16 de Dezembro de 2010

Vasques Dinis (Relator)

Mário Pereira

Sousa Peixoto